sábado, 21 de agosto de 2010

Graça divina.

Estava andando por ai, quando de repente um velho conto húngaro que li, nos idos tempos de escola, me veio à mente. Trata-se de um caboclo que fazia cirurgias de catarata manuais, conhecido por sua destreza em realizar a tarefa. Apesar de fazê-la da maneira mais boçal possível, em breves minutos cortava e deixava seu "paciente" sem nenhum resquício da patologia. O sujeito não sabia ler ou escrever, nem mesmo tinha ideia do que era catarata, mas resolvia o problema com facilidade admirável. Porém, quando conhece um médico estudado, doutor e tudo mais, que lhe explica o funcionamento de um olho, em seus ínfimos detalhes, nunca mais consegue pegar numa faca.

Na época que li esse conto - num alegre sol de verão – o separei na memória e pensei em um dia parar para pensar profundamente nele. O dia chegou. Ou melhor, já está mais do que na hora do dia chegar. Desculpem-me, agora é noite.


Meu segundo pensamento foi que talvez a ignorância seja uma benção. Entretanto vejo que não é tão simples assim. A verdade é que o conhecimento trás consigo certa carga de maldição. Conhecer nos liberta de grilhões típicos do senso comum e é saudável, todavia, sufoca o espírito e o faz sofrer pois lhe dá a responsabilidade de carregar uma informação e o trabalho de opinar sobre o que foi absorvido pelo cérebro, além de nos forçar a agir. Parece idiota, mas não é. Se sei o que é certo e errado - sem cair no cerco da moralidade, estou falando de ética - não tenho direito de errar; se sei as possíveis consequências de minhas atitudes que para existirem só depende obviamente de mim, não posso argumentar que as "circunstâncias", outras pessoas ou o meio me impediram de cumprir meus deveres. Milagres impressionam tolos sem instrução.

Não sei se é pra rir ou chorar, mas o tempo passa, se é que existe mesmo, e entre o que vai e o que fica, algumas certezas se destacam: além da morte, podemos afirmar com toda firmeza que o ato de conhecer sinceramente algo nos eleva para um patamar tal que nunca mais voltamos para o estagio anterior, o do desconhecimento. Não quero bancar a arrogante, porque também faço parte dos desgraçados estúpidos, mas deixar claro que conhecer, mesmo tentar como faço eu por todos esses árduos 17 anos, não é pra fracos, mas é possível, necessário, e além do bem que fazemos para os outros, é a bagagem que levamos dessa vida.

Já entrando no campo da fantasia, podemos ilustrar com a biblia. Reza a lenda que uma tal "Eva" e um tal "Adão" foram expulsos de um certo paraíso por comerem do fruto da árvore que "Deus" proibiu. Nas palavras da cobra:" 'Deus' sabe que no dia em que dele [o fruto] comerdes se abrirão os vossos olhos, e sereis como 'Deus', sabendo o bem e o mal". Ou seja, o tal "deus" é tão misericordioso que para o bem de seu filho é mais interessante deixá-lo inerte na graça da ignorância, perdido no paraíso da cretinice do que lhe desgraçar com o horrível fruto da sabedoria. Patético. Porque a verdade não é agradável. É mais facil aceitar o que já está pronto, do que fazer. Pensar dá sono. Se a carochinha existisse, pediria a ela que me levasse até a casa do Lúcifer, pois lá poderiamos refletir.

Voltando a realidade, eu, a caminho da cama e aos comprimentos da madrugada, tenho uma sensação semelhante à do caboclo. Parece que a sabedoria pegou nojo de mim.

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