sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Dona Ilusão.

Ah, essa vida que passamos 98% perdidos em divagações no passado ou no futuro e esquecemos do mais importante: o presente.
Esses dias atrás eu resolvi pensar no passado com olhar crítico, sem esse romantismo boboca que costuma embalar as recordações como páginas divinas. E pasmem, descobri impressionada que tudo o que sonhei com bastante perseverança, e que dependia de mim, aconteceu. E não é mentira. Entenderam? Eu repito: TODAS as minhas conjecturas sobre o que poderia ser, de fato tornaram-se concretas. Parece estranho, e eu fiquei profundamente chocada, mas é isso o que na realidade acontece, o que sonhamos. Naturalmente não foram coisas do tipo invasão de alienígenas, ou apocalipse da corrupção política no nosso Brasil, porque ai já muita ostentação e um pouco de insanidade, mas coisas normais, até anódinas, porque nosso cotidiano é banal. O interessante é que essas insignificâncias, do pretérito perfeito, compõem o que há de mais extraordinário no futuro do presente, e elas são tão sutis que escapam da nossa percepção num piscar de olhos.

No entanto, e tudo sempre tem o seu outro lado, costumamos nos prender tanto a essas hipóteses que esquecemos da realidade. Ah, como isso é triste. Imaginem - já que a maior parte da vida perdemos dessa maneira - o quanto somos tolos por achar o que seria se "tivesse sido diferente". Completos néscios! Sacrificar o momento mais que sagrado, o ato de ser em um exato momento, para pensar como seria um passado, já morto, idealizado, que aconteceu da maneira que acreditamos e fizemos. Foi ruim? Poderia ter sido de outra maneira? Como somos idiotas, podemos responder que sim, foi ruim porque acabou e que poderia ter sido melhor, mas que a covardia, nossa grande companheira, ou mesmo as prioridades que se fizeram mais necessárias - sejamos otimistas - não permitiram que assim o fosse. Além do que, poderia ter sido muito, exageradamente, pior.

Meu irmão, sujeito bom, uma vez disse, não pra mim mas pra vida, que " tudo no final dá certo, e se não deu, é porque ainda não acabou". Evidentemente a frase não é dele, e nem me interessa saber de quem seja, mas ela vem a calhar. E faz sentido. Fosse diferente e não teríamos esquecido de velhas mágoas enferrujadas. Claro, sempre terão aquelas que vez ou outra insistem em doer e voltam ao pensamento, mas não retornam feito obsessões demoníacas, como a maioria das concatenações que fazemos sobre o inexistente. São leves feridas já cicatrizadas que raramente nos chamam atenção. Isso ocorre porque fatalmente mudamos. Perdemos nossos valores tacanhos, os comportamentos mesquinhos e as ideias reacionárias, e devemos agradeçer por isso ao invés de chorar derrotados, feito crianças que a mamãe proibiu de comer o docinho, que é uma delicia certamente, mas que trás prejuízos à nossa saúde, quando não sabemos nos cuidar.

Não esqueçam meus caros, que o tempo passa, e queiramos ou não, evoluímos todos. Os que concordam com isso caminham com mais velocidade, pois não se submetem aos obstáculos do caminho, e os que discordam insistindo em continuar na mesmice, Emmanuel já alertou: "Cedo ou tarde o anjo da angústia te visitará o espírito, indicando-te novos rumos".

Esse bendito anjo me visitou, como sempre faz, apesar de ser mal recebido. Estava eu tomando um pensativo café quando ele apareceu; obviamente que não lhe tratei com a devida cortesia. Não sou simpática. Conversamos sobre a vida, política, literatura, filosofia, mas não consegui enrolá-lo. Ele tocou no assunto, com muita paciência. O desespero costuma ser educado e, como Jack Estripador, trabalhar por partes. Ah, mas ele é bom, e prometeu demorar a voltar, caso eu me comprometesse a aumentar a parcela dos 2%, pois quanto mais eu aumentar, mais tarde mostrará sua cara pra mim. Saibam ou não, esse cara é assim com todos, mas a maioria nunca cumpre a promessa, isso quando ouvem-na. Eu ouvi, prometi, e agora vou fazer, mas antes que me perca no mundo da Dona Ilusão, deixo a dica: tenham boa memória, mas não percam o dom de saber esquecer; planejem os próximos caminhos, mas sejam sagazes e vivam intensamente nosso presente da vida.

2 comentários:

  1. "Cedo ou tarde o anjo da angústia te visitará o espírito, indicando-te novos rumos". Interessante isso, não? O Emmanuel ao qual você se refere é o Mounier mesmo? Aliás, muito interessante TUDO que você escreveu, linha por linha. As coisas que pensei sobre você ao ler esse post certamente não foram as mesmas que você pensou ao escrevê-lo, mas sabia que - "na minha leitura" - tudo também se encaixou perfeitamente bem? Bom, não sei se você vai entender o que eu quis dizer com isso, mas de qualquer forma a autoria da frase sobre o fim é de Fernando Sabino. E tomara que ele esteja certo.

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  2. HAHAHA! pior é que eu entendo o que você quer dizer. Não é o Mounier, é outro Emmanuel.

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