terça-feira, 16 de novembro de 2010

Parto.

Andando pelos bosques do bairro da burguesia silenciosa deparei-me com o fato que já não podia esconder. Avistei meu ventre e ele estava grande. Grande foi minha vergonha ao perceber que depois de todos esses anos esse feto maligno, partícula maldita que adentrou em mim nem sei quando, mas que não saiu, e só cresceu, estava pronto para a saída.

Foi naqueles idos dias de sol. Primavera, outono? Mal sei. Era um reflexivo céu azul que contrastava seu silêncio com meu caos interno. E por que toda essa agonia?

Não sei.

Na verdade eu não sei direito por onde começar. A discrição do cenário já foi e ocupou expressivos parágrafos, mas tenho a impressão que alguma coisa falta.
Aliás, é uma impressão constante da minha vida.

Sim, algo precisa ser completado. Em mim. E eu preciso completar algo. No mundo. Em alguém. Quem sabe assim a parte vazia seja preenchida, por pedaços do meu Eu.

Mas retomemos à narração.

As contrações voltaram, elas sumiam e emergiam como dejetos no mar. Cada vez que aparecia, uma nova ânsia de vômito se fazia presente. Quem sabe se naquele momento meu egoísmo não permitiria que eu vomitasse esse trecho moribundo da minha existência.

Mas já estava na hora.
Ali naquele parque nostálgico percebi que deveria expurgar de meu âmago mais aquele defeito. Era um novo que nascia. O defeito do caos.

Ele era como todos os outros quando recém nascido. Feio e simplório.

O caos me irritava porque era o defeito dos outros.
Os outros eram desordeiros, primitivos, grosseiros.

Mas esse defeito nasceu para me mostrar o contrário. Eu que era uma bagunça.

Só que ele nasceu em um novo contexto, pois naquela paisagem silenciosa, eu estava mais madura. Seja por livre arbítrio, seja pelo tempo, o fato é que as circunstâncias mudaram radicalmente. Tanto que eu parti de um estado de matéria-prima para produto semi-elaborado.

Eu deveria ter terminado esse texto há tempos, mas o caos modificou mina forma de ver o mundo, ele me mostrou que as pessoas mudam, eu mudo, o mundo muda, mas permanecemos sempre os mesmos.

E no que fica, temos um novo defeito que nasce e cresce; no que se vai, eu parto pra minha maturidade um tanto despreparada, descontraida, mas uma maturescência que emerge e faz partir o tempo em duas partes: de onde eu parti, para onde eu partirei.