quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Certezas da vida.

Há tempos que esse texto deveria existir, anos talvez, mas algo impediu seu nascimento, pois ele aborda temas que não podem ser ditos por se tratar do que só pode ser sentido. E com muita profundidade.

Há uma razão para a apatia à primeira vista; aquelas pessoas normais que não conhecemos e que estão ali, feito detalhes de uma paisagem comum, mas que nos incomodam feito farpas de madeira dentro da pele. Pessoas que são inocentes, à primeira vista, à vista simples, objetiva e carnal. São pessoas, como outras quaisquer, mas que perfuram nossa paciência sem precisar de palavras, gestos. O cheiro delas atrapalha nosso oxigênio. A coisa é meio assim, pessoal. A compreensão desse tipo de sentimento faz parte de uma visão geral que ainda não é exclusividade da grande maioria. Mas os fortes já entendem.

É mais do que necessário convivermos com esses seres, e para nossa informação elas contribuem muito na nossa vida, por mais inútil que isso possa parecer. Para nosso azar, ou talvez um dia sorte, quem sabe, são muitas essas criaturas e muito ainda teremos que tê-las no rol de nosso cotidiano. Passamos e passaremos muitas feitas com elas e isso é importante. Porque são como espelhos que mostram nossos piores defeitos, nossas piores tendências, piores momentos, atitudes. Os sábios de coração já aprenderam a amar esse espelho e refletir nele a beleza da vida.

Mas ainda não somos sábios.

Há uma razão para a indiferença à primeira vista, para existirem as pessoas que são como o vento. Pessoas que passam por nós constantemente sem nos darmos conta, sem que precisemos nos dar conta, sem que queiramos nos dar conta, sem que nem pensemos se precisamos, se daremos, se queremos, ou mesmo se nos importamos em dar conta. Mas o vento tem lá seus dotes. Quando estamos sem tempo nem pensamos que existe vento, que nele estão contidos os elementos fundamentais da nossa permanência no mundo. Quando precisamos, criamos movimentos para que o vento venha até nós e seja como desejamos: calor ou frio. Se há doçura em nós, sabemos apreciar as brincadeiras da brisa nas folhas, nos cabelos, nos amores, nos dias e nas noites. Mas se há melancolia, apenas vemos os furacões ou as desérticas miragens a enrijecer nossa alma de mágoa e petrificá-la de ódio. E essas pessoas passam como os ventos, levando as nuvens, os segredos; deixando os sorrisos, a próxima estação ou mesmo o vazio dos que não o apreciam. Elas passam e caminham de ambientes para ambientes. Entram em nossa vida sem pedir e sem nos consultar se tornam importantes, tal como sem nosso consentimento se vão para o infinito. E isso precisa acontecer, para o bem, sempre pelo bem. Nós, ademais, somos da mesma forma ventos que refrescam a vida de alguém.

Mas também há uma grande razão, e talvez essa seja a mais sublime de todas elas, para que exista amor à primeira vista. Amor que é puro, inocente, eterno, daquele que já nasceu dentro de nós. Conosco da plenitude para a transcendência.

E aqui está a grande dificuldade. Sabemos muito bem narrar à maldade. Em nossa literatura temos vastíssimas e preciosíssimas teses, teorias, postulações, obras, monumentos, romances, tratados e escritos que descrevem com infinita precisão a maldade, a crueldade e todos os filhos da sordidez. Talvez por sermos humanos, e humanos não são perfeitos, e a perfeição tem atributos, e um dos atributos é o amor, não sabemos ainda definir o elevado, entender virtudes, amar. Porque o amor exige muito na sua absoluta humildade. O amor exige muito de reles criaturas humanas que mal se despiram do seu envoltório de orgulho e egoísmo. Criaturas que ainda se preocupam com a maldade, que ainda estão com ela.

Chegamos quase próximo de entender algumas gramas da vasta magnificência desse sentimento quando olhamos nosso animal de estimação e sentimos a alegria e os eflúvios positivos dele a nos saldar como se não nos víssemos há séculos, e ficamos prontos a perdoar e nem sequer ousar lembrar de qualquer ofensa que nos tenha feito. Nós os amamos sem saber, e desse modo não esperamos nada em troca. Sabemos que eles continuarão fiéis sem nem ao menos pensar nisso e sabemos principalmente que só nos deixarão boas lembranças. A segunda maneira, mais intensa, é quando temos um filho. E o que sentiremos por ele será de uma grandeza incomensurável. Mas esse amor ainda não me é digno conhecer.

Todavia, compreendendo ou não, e merecendo ou não, existe uma razão muito profunda para existirem pessoas que amamos sem qualquer cerimônia. Pessoas que não precisam de nada, absolutamente nenhum requisito para serem muito queridas por nós, para fazerem uma diferença brutal na nossa vida, que as vezes nem mesmo tenhamos convivido muito, compartilhado qualquer coisa, mas que sabemos que também nos amam. São dessas pessoas que nosso espírito se sente revigorado, são elas que dão cor às desbotadas esperanças que temos de continuar sorrindo, de ter alegria, de ter fé, de procriar amor, de ter força para resolver problemas, de lutar contra o mal e de sermos melhores. São essas pessoas que nos fazem sentir que nunca e jamais estaremos sozinhos, pois esses laços que temos, essas cordas infinitas de relações imutáveis, continuarão nos sustentando em redes mentais que propiciarão auxílio independentemente de como e de onde estivermos.

Dessas pessoas, eu sinto uma saudade gostosa, e pensar nelas, me faz muito bem; amá-las faz parte do sentido da minha vida. Não preciso de nada além de um abraço, um olhar, um sorriso, ou uma tarde de ricos conselhos, e se dessas coisas nenhuma for possível, ainda assim me contentarei, pois sei que o amor na sua grandeza exige de nós simplicidade, virtude essa que a nossa ganância em ter tudo de uma vez bloqueia. E sei também que ele existe além do tempo e do espaço, porque o tempo nada mais é que uma sucessão de eventos efêmeros; e o espaço não é mais poderoso do que a força do pensamento, nem do que a intensidade do verdadeiro sentimento.




2 comentários:

  1. Beatriz, esse texto foi uma das coisas mais lindas que eu já li em toda minha vida! ME EMOCIONOU MUITO, me fez pensar em várias coisas, em várias situações que estou vivendo. Se texto foi um alento, um recado para que eu preste mais atenção, para que eu não me deixe entristecer tanto com pessoas difíceis e tenho feito tudo errado... esse texto maravilhoso, inspirado, lindo... veio na hora certa como um conselho do invisível para que eu não me perca, não desista, não me deixe abater por situações complicadas. Muitíssimo obrigada por tê-lo feito chegar. Amo você! Um beijo grande!

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